segunda-feira

DIÁRIO DA VIAGEM - Considerações Iniciais

Clique nas fotos para ampliá-las

Mapa da viagem
Alexandre e Flávio
BMW G650 (Flávio)
Yamaha XT660 (Alexandre)

Diário
BRASÍLIA/DF, 6 de outubro de 2010, quarta-feira. 
(Recado do Flávio Faria) - Enviamos nossas motos com certa antecedência de Brasília para Rio Branco/AC, de onde terá início nossa aventura a partir de sábado9 de outubro. Utilizamos os serviços da Transpax, empresa que atua no ramo de transporte via "caminhões cegonha", a custo de R$ 750 por moto. Foi uma forma de aproveitar nossos 20 dias de férias com maior conforto, porque gastaríamos, pelo menos, 4 dias inteiros no deslocamento até o Acre, distância em torno de 3100 km da nossa cidade. 
Esta viagem é a quarta que realizo de motocicleta pela América do Sul e a primeira sem Rosane na garupa. Não foi um projeto de longa maturação, porque já vínhamos mapeando a América com alguma antecedência, identificando trajetos diversos para conhecer de maneira mais intensa seu território. Como nas demais experiências, estamos convictos de que iremos nos emocionar com paisagens e culturas centenárias, que tocarão nossos sentidos com  seus olores, sabores e cenários surpreendentes.
Desta vez viajo com novo parceiro, Alexandre Cardoso, que  teve paciência para me aturar e coragem para enfrentar este desafio encantador. Viajaremos em duas motos diferentes: eu numa BMW G650 GS e Alexandre numa Yamaha XT660. Motos monocilíndricas de porte mediano, excelentes para transitar por rotas desafiadoras, com extensas quilometragens off road. Somos motociclistas cinquentões, com técnica e experiência similares, e estamos confiantes e tranquilos quanto ao sucesso deste empreendimento.
Temos a intenção de trafegar por parte da floresta amazônica através da Rota Interoceânica (que liga o Brasil aos portos do oceano Pacífico); pela  Cordilheira dos Andes peruanos e bolivianos; pelos sítios Incas de Cuzco, Machu Picchu e arredores; pelo lago Titicaca (para conhecer os Uros e suas ilhas artificiais flutuantes); pelos sítios Tiwanacus (civilização antecessora aos Incas);  e pelo Salar de Uyuni.
Desta forma, com as motos preparadas, o corpo condicionado e o coração aos saltos, damos por iniciado mais este projeto de viagem... e de vida!

De Rio Branco/AC a Cuzco, capital do Império Inca

L
Obras na Interoceânica  
Fronteira
 Mazuko

 Desvio na Interoceânica
 Visual dos Andes peruanos
 Ponto mais elevado, sob neblina e frio de -4 graus
Andes peruanos

Ollamtaytambo
Pisaq
Ollamtaytambo


Idem
Cuzco
Dia 8 de outubro de 2010 – sexta – EM  RIO  BRANCO/ACRE
Cheguei em Rio Branco  no meio da tarde e fui direito para hotel Guapindaia, onde Alexandre já estava hospedado desde anteontem e fez a gentileza de retirar nossas motos do pátio da transportadora e levar para o hotel. Reservamos o resto da tarde na tarefa de arrumar bagagens e ferramentas para iniciar a viagem amanhã logo cedo. O amigo Luciano, servidor da EMBRAPA do Acre, também motociclista, deu-nos todo o apoio logístico na cidade e nos levou para jantar num restaurante muito simpático localizado nos arredores do hotel. Não há muito do que falar do dia de hoje, mas deve-se ressaltar a beleza e organização de Rio Branco, com vias largas, muitas árvores e praças bem cuidadas. Fomos dormir cedo, ansiosos por iniciar a viagem na manhã do dia seguinte.

Dia 9 de outubro de 2010 – sábado – DE RIO BRANCO A PUERTO MALDONADO/PERU – 638 km rodados entre 6:40 h às 18:44h, sendo 212 km em território peruano.
a) Saímos cedo do hotel, às 6:40h, e não tivemos problema para encontrar a saída da cidade. Havíamos rodado 5 km, quando paramos em um posto para calibrar os pneus. Aí aconteceu o primeiro contratempo da viagem, Minha moto BMW, com apenas 2800 km rodados, não quis pegar de jeito algum. Depois de diversas tentativas, resolvi ligar para o 0800 da BMW para ter alguma orientação técnica sobre o problema. Porém, a única proposta que ouvi da atendente é que eu teria que transportar a moto até a concessionária mais próxima (em Brasília). Não dava para acreditar, porque até então nunca tive qualquer problema com qualquer outra moto, e logo a BMW, tão conceituada mundo afora, iria me deixar na mão? Tudo bem, aventura sem contratempo não é aventura.
b) Uma coisa já estava decidida, voltar para casa nem pensar. Alexandre entrou em contato com Luciano e levamos a moto numa oficina que, embora não fosse especializada em BMW, estava acostumada a lidar com outras motos importadas. Ali iniciou-se uma novela de 4h. Conferimos caixa de fusível, cabeamento etc e nada de o motor funcionar. O laudo era de que a bomba de gasolina estava “travada” ou queimada. No momento em que se avaliava o que fazer, apareceu outro motociclista numa KTM, Fernando, que intuiu que o problema poderia ser resultante de uma queda de amperagem na bateria, visto que a moto havia ficado 25 dias parada. Dito e feito. Foi dada uma recarga lenta na bateria e a bomba de combustível destravou e voltou a funcionar.
c) Já passava das 10:40h quando pegamos a estrada pra valer com destino ao Peru. A rodovia estava em excelentes condições, embora tenhamos ficado frustrados de não ver um único trecho de floresta densa por todo o caminho. O estado do Acre implementou de vez as pastagens e a pecuária em grande escala, e pouco se vê da antiga floresta. Uma tristeza constatar a forma rápida com que a Amazônia está sendo destruída.
d) ROTA INTEROCENÂNICA 1 – A rodovia está excelente neste trecho até Puerto Maldonado. Um projeto fantástico e bastante desafiador, porque a rota corta a Amazônia peruana e as montanhas andinas. O lado negativo do trajeto foi a grande quantidade de quebra-molas. Havia mais de 300 deles distribuídos pelos duzentos e poucos km da fronteira até Maldonado. Adicione-se a isso uma infinidade de bois transitando pela rodovia. Outro problema é que estabeleceram limite máximo de 60 km/h na via. 60 km é o limite da hipocrisia (ou hipocrisia do limite?) da autoridade peruana de trânsito.  Um prato cheio para a polícia (geralmente corrupta) fundamentar suas multas e propinas para cima de "nosotros".
e) Chegamos a Puerto Maldonado antes de anoitecer, apesar dos contratempos do início da manhã de hoje. Adentramos a cidade depois de uma travessia de balsa de 20 minutos do rio Madre de Dios. Existe uma ponte sendo construída, mas ainda está longe de ficar pronta. Ficamos no excelente hotel Cabaña Quinta, mas a internet de lá era lenta e não consegui postar. A cidade tem o trânsito tomado por motocars e as ruas com muita gente perambulando para tudo quanto é canto. Valeu a experiência de ter passado a noite por lá.

Dia 10 de outubro de 2010, domingo.
DE PUERTO MALDONADO A CUSCO – 489 km em 11:15h de viagem.
a) O dia de hoje foi dose! Gastamos 11:15 h para transpor apenas 489 km. Fazer médias superiores a 50 km/h no trecho andino é difícil. Curvas e mais curvas: em U, em S, em L, em Z ou em V, e muitas obras na rodovia (que são sinônimo de lama). Alguns demoronamento de encostas exigem cuidado após as curvas. Chuva, neblina, frio intenso e muitos quebra-molas impedem que se ande rápido pela região.
b) Chegamos a Cuzco às 19:40 h, depois de atingir altitudes de 4725 m e sensação térmica de 4 graus negativos. Neste trecho havia muita neblina, que reduziu a visibilidade da pista para algo em torno de 20/50 metros.
c) Porém, meu amigo, o visual desta rodovia não dá para descrever. De uma beleza de enlouquecer. As curvas em subida e descida cortando os Andes compõem um quadro raro. Atravessamos montanhas e mais montanhas esverdeadas, com nuvens baixas cobrindo os cumes, sob um frio de gelar a alma. Um choque visual (e térmico) de primeira grandeza.
d) Cuzco continua linda, mas cresceu muito desde a última vez que estive aqui, em 2004. A cidade virou uma megalópole andina, com trânsito intenso e muita gente pelas ruas. Os bares e restaurantes estão repletos de aventureiros e turistas, com pequenos mapas sobre as mesas, consultando o que há de melhor para ser visto na região. A cidade concentra uma boa quantidade de cidadelas incas em seu derredor, construídas no século XIII, no auge daquela civilização.

11 de outubro de 2010 - Passeando pelo Vale Sagrado.
Passamos o dia de hoje num tour pelo Vale Sagrado. Visitamos 3 sítios incas: Pisaq, Ollamtaytambo e Chinchero. A cada passo dado constatamos a riqueza cultural escondida nessas edificações em pedra, construída no topo de montanhas altíssimas. É emocionante transitar por esse território. Uma aula a céu aberto sobre arquitetura, astronomia, agricultura e organização social sem comparativos em outras culturas.  Amanhã vamos para Machu Picchu, considerado o mais imponente sítio arqueológico da civilização inca no Peru.

MACHU PICCHU










Diário
Dia 12 de outubro de 2010, terça. 1127 km rodados.  810 km no Peru
Hoje fomos cedo para Machu Picchu, partindo de estação ferroviária de Ollamtaytambo, que fica a 2,5 h de ônibus de Cuzco. Não é possível chegar a esta cidade de outra forma, senão de trem. Assim o fizemos. Um passeio de um dia inteiro, que exigiu certo condicionamento físico, por conta da altitude e da caminhada em terreno íngreme. A experiência de conhecer esta cidadezinha é inesquecível! Muitos mistérios e teorias envolvem a construção desta cidade. Vale a pena fazer o tour acompanhado de um bom guia para entender parte desses mistérios.
Amanhã pegaremos a estrada em direção ao Lago Titicaca, cidade de Puno, a 3820 m de altitude.

DE CUZCO AO LAGO TITICACA e BOLÍVIA

Na estrada para o Lago Titicaca

Lago Titicaca ao fundo

Diário
Dia 13 de outubro, quarta - De CUZCO A PUNO, às margens do Titicaca. 403 km rodados hoje. Total acumulado da viagem: 1532 km, sendo 1212 km no Peru.
a) Cumprimos, em menos de 5 h, o trecho entre Cuzco a Puno, ainda no território peruano. Puno fica às margens do Titicaca, o lago navegável mais alto do mundo, a 3820 m de altitude. Foi uma experiência maravilhosa, sempre pilotando nas alturas, que variaram de 3200 m (ponto mais baixo) e 4440 m (o mais alto), sob temperatura amena para a região, que variou entre 13 e 18 graus.
b) Minha moto, a BMW G650, está tendo desempenho fantástico com a gasolina do Peru. O consumo chegou a 36 km/l (com gasolina de 90 octanas). Tive que fazer uma regra de três, porque o combustível por aqui é vendido em galöes.
c) O lago Titicaca nos impressionou por seu tamanho e beleza. A cidade de Puno, como toda cidade peruana, tem trânsito caótico e não nos foi possível identificar se existe ou não alguma regra para se trafegar por aqui. Antes de chegar em Puno, passamos pela cidade de Juliaca, um dos piores tráfegos de veículos que experimentei até então, e passamos por algumas situçöes de risco, com caminhões invadindo a via preferencial bem em cima de nós. Depois do primeiro susto, resolvemos sempre dar passagem para quem entrava na pista ou mudava de faixa sem sinalizar. Rapidamente desistimos de confiar no "nosso entendimento" sobre quem teria preferência no trânsito.

Mercado indígena em Puno

Ilhas artificiais dos Uros, lago Titicaca

Barco de totora

Dentro de uma casa típica dos Uros

Ilhas artificiais dos Uros, lago Titicaca

Ilhas artificiais dos Uros, lago Titicaca
Dia 14 de outubro, quinta. Visitando as ilhas artificiais dos Uros e dormindo em Tiwanaco, Bolìvia.
ILHAS DOS UROS - Hoje fizemos um passeio maravilhoso pelo lago Titicaca para visitar as ilhas artificiais do Uros, feitas de adobe e totora (junco). São 2300 pessoas vivendo de um modo muito próprio, como doutores de um conhecimento raro e de alta complexidade. Não é mole construir uma ilha artificial do tamanho das que se vê por aqui. Cada uma abriga cerca de 4 famílias e possui seu próprio chefe. Há escolas, viveiros de plantas, criatórios de animais e locais de trabalho (geralmente artesanato). Os deslocamentos entre as diversas ilhas são feitos em barcos de totora, uma obra artesanal de rara beleza, que flutua com agilidade e segurança. Viver em ilhas flutuantes não é uma característica apenas deste povo. O antropólogo e navegador Thor Heyerdhal, no livro "Na Trilha de Adão", descreve que os Budumas, no lago Chade (centro africano), e o povo Madan, no Iraque, também vivem de forma semelhante. O Uros optaram por este tipo de moradia em torno de 1450, por não terem aceitado o domínio inca sobre a região. Uma realidade que nos encantou. Só estando lá para saber como foi fantástica esta experiência.
O passeio terminou por volta do meio-dia e resolvemos adiantar nossa viagem e seguir para a Bolívia (do outro lado do Titicaca), onde pretendemos visitar amanhã o sítio arqueológico da civilização tiwuanaco, bem mais antiga que a civilização inca, que se localiza na cidade com o mesmo nome. Um trecho rápido, mesmo considerando a demora nos procedimentos aduaneiros.

Fronteira Boliviana
Monolitos tiwanacos

Templo tiwanaco


Porta do Sol

Vista panorämica do sítio tiwanaco

Dia 15 de outubro de 2010, sexta. Em Ouro, Bolívia.
a) Chegamos a Tiwanaco, Bolívia, ontem no final da tarde. Passei mal durante toda a viagem. Não sei se por conta do mal da altitude ou por ensolação. Tive febre e calafrios desde o início da tarde (com acentuada piora de madrugada), vômitos e diarréia. Certamente, eu "me esvaí pelo vaso" nessas últimas 20 horas. Mesmo debilitado, não abri mão de visitar o sítio arqueológico da cidade pela manhã de hoje. Outra experiência a ser arquivada na memória para sempre. Mais uma aula de antropologia ao ar livre, sobre uma civilização atípica que dominou a região por um período milenar.
b) Tínhamos a  intenção de ainda hoje seguir em frente para conhecer a Carretera de la Muerte (Carretera dos Yungas), mas minhas condições físicas me fizeram mudar de idéia. Enfrentar a variação de altitude de 3600 m em apenas 65 km, as curvas e o trecho off road desta rodovia seria meio complicado no estado de debilidade em que me encontrava.
c) Depois de um sono reparador no início da tarde, resolvemos seguir para Oruro, onde chegamos antes de escurecer. Foi a primeira cidade com trânsito organizado que pegamos em território estrangeiro. A experiência de atravessar o anel viário de La Paz foi bastante desagradável. Uma hora e meia engarrafados entre vans e ônibus com trouxas coloridas no teto, nos obrigando a conduzir as motos quase sempre com um dos pés no chão.
d) Agora à noite, em Oruro, minha saúde foi 100% restabelecida, à base de muita água e mate de coca.

DE ORURO AO SALAR DE UYUNI

Estrada para Uyuni

Rio Mulato

Estrada para Uyuni

Estrada para Uyuni
Diário
Dia 16 de outubro de 2010, sábado – 2402 km de viagem. 1373 m no Peru e 709 km na Bolívia.
DE ORURO AO SALAR DE UYUNI, BOLÍVIA – 376 km rodados hoje (171 km no rípio)
a) Hoje encaramos um trecho pesado de off road, de 171 km, que nos exigiu 6 h de viagem. Uma estradinha de terra das mais difíceis, digna dos pilotos de rally. Sinceramente, nos meus quase 30 anos de motociclismo, foi a pior estrada que já passei. Lembrei-me do documentário do Ewan McGregor (ator do Guerra nas Estrelas) sobre sua volta ao mundo sobre uma moto BMW GS1200. O trecho parecia aqueles da África, com "costelas" por todo o trajeto e muitos balcões de areia pelas bordas e nas depressões da pista. Isso sem contar os pedregulhos. Lembro que no caso deles, as 3 BMW participantes do projeto quebraram a suspensão. Pensei que iria acontecer o mesmo com a minha modesta GS650, mas acabou tudo saindo bem. Eu e o Alexandre caimos nos balcões de areia fesh-fesh. Um tombo para cada um até o momento. Depois da queda, passamos a fugir da areia como o diabo foge da cruz. Na sua queda, Alexandre fissurou duas costelas. Uma fratura leve, mas que dói pra caramba.  No total, rodamos 376 km incluindo o trecho asfaltado.
b) Não houve um momento sequer com altitudes abaixo dos 3700 m. Estamos convivendo com alturas acima dos 3000 m há uma semana e posso garantir que isso cansa. Os trechos sempre aparentam ser maiores do que são, por causa do desgaste físico que esta situação impõe. Para efeito comparativo, o município mais alto do Brasil, Campos do Jordäo, fica a 2170 m sobre o nível do mar.
c) Minha moto continua econômica com a gasolina boliviana e chegou a fazer 35 km/l. Não gosto de elogiar nenhum veículo antes de a viagem terminar, mas este consumo está me surpreendendo, porque no trecho brasileiro, com gasolina Petrobras, ela fez 20 km/l. A GS650 também foi perfeita no off road, embora a XT660, do Alex, tenha se demonstrado mais eficiente no tipo de piso que enfrentamos. Devo lembrar que a gasolina peruana custa em média R$ 1,80 o litro, e a boliviana cerca de R$ 0,95. Estou convicto de que no Brasil pagamos pela pior gasolina do mundo.
d) Chegamos a Uyuni famintos e exauridos, porém realizados. Somos os 2 únicos motociclistas na cidade, trafegando no meio de trollers e 4x4 com rodas enormes. Quando falei para a dona do hotel que tínhamos vindo de Oruro, por Santiago de Huari, ela nos chamou de loucos. A maioria contorna por Potosi, onde o trecho off road é menor e mais fácil. Por aqui, muitos comentam sobre um motociclista costarriquenho que quebrou a bacia e uma vértebra numa queda neste mesmo trajeto que fizemos hoje. Me avisaram meio tarde! As costelas do Alex poderiam ter sido poupadas caso tivéssemos ido por outro trecho. Mas fazer o quê! A cidade está lotada de europeus e se trata de um local bem arrumadinho, todo voltado para o turismo no Salar de Uyuni, que iremos conhecer amanhã.
e) Tivemos que ir ao hospital da cidade, para avaliar as costelas do Alexandre. As radiografias confirmaram duas fraturas, mas sem deslocamento dos ossos. O médico enfaixou o tronco do Alex, bem apertado, para que pudesse continuar pilotando. Será um desafio para ele prosseguir na viagem. Quem quebrou uma costela sabe das dores que isso provoca.
Salar de Uyuni

Salar de Uyuni

Isla del Pescado, Salar de Uyuni

Bandeiras do Salar
Piso hexagonal do Salar

Ferrovia do Salar
Dia 17 de outubro de 2010, domingo. Passeando do SALAR DE UYUNI.
a) Hoje percorremos cerca de 200 km através do maior depósito de sal do planeta, o Salar de Uyuni, na Bolívia, que fica a 3650 m de altitude. O guia nos falou que o local não era muito alto, na opinião dele. São poucos os bolivianos que compreendem, de fato, o que significa "nível do mar". Falei para ele do ponto mais alto do Brasil, o pico da Neblina, cujo cume sequer chega aos 3000 m, e ele o achou muito "baixinho".
b) O Salar é um local único, incomparável em termos de beleza e tamanho. Um universo branco, que pode queimar a retina caso não se use um bom óculos de sol, item obrigatório por aqui.

domingo

DO SALAR DE UYUNI A BRASÍLIA


Rodovia Uyuni-Potosi

Asfalto enfim, entre Potosi e Sucre
Dinossauro na entrada de Sucre

Dia 18 de outubro de 2010, segunda-feira. De UYUNI a SUCRE, Bolívia. 380 km rodados no dia (97 off road). Total da viagem: 2782 km, dos quais 1373 km no Peru e 1089 km na Bolívia. 348 km off road até aqui.
a) PRESOS FORA DO HOTEL - ontem, na nossa última noite em Uyuni, aconteceu algo inusitado. Saímos para jantar e, quando voltamos, encontramos o hotel trancado, com a gente do lado de fora. Dá pra acreditar? Como quase todos os negócios por aqui, tratava-se de um hotel gerenciado por uma única família e, talvez por ser domingo, a dona do empreendimento resolveu passear pela cidade. Ficamos esperando na frente ao hotel por cerca de 40 minutos, sob frio de 12 graus. Alexandre saiu para procurar a polícia da cidade, para pedir ajuda. Quando a dona do estabelecimento chegou, quase 22 horas, ela perguntou sobre meu amigo e eu disse: "Uai, ele foi atrás da polícia!". Ela saiu rapidinho e se trancou no quarto.
b) Hoje saímos cedo em direção a Sucre, a capital boliviana (??!!). Aliás, diga-se de passagem, uma "capital de araque", porque os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário continuam com suas sedes em La Paz.
c) Passamos por uma rodovia não pavimentada em melhor estado do que a que nos trouxe ao Salar de Uyuni, no trecho até Potosi. Muitas montanhas, abismos, altitudes acima dos 4 mil metros, e um visual de arrepiar as fibras da alma. Esta rodovia está em obras e penso que em menos de 1 ano o asfaltamento integral da via estará concluído. A empreiteira responsável pela obra é a famigerada brasileira OAS. É aquela mesmo, envolvida em tudo quanto é escândalo financeiro no nosso país.
d) Chegamos a Sucre e a beleza da cidade nos impressionou. O centro histórico é algo maravilhoso! A cidade é um dos maiores sítios paleontológicos das Américas e logo na entrada há uma enorme estátua de um Dinossauro. Saimos para jantar à noite e "pisei na bola": esqueci a máquina fotográfica no hotel. Não pude registrar o belíssimo centro histórico da cidade, muito bem conservado e iluminado.
A caminho de Cochabamba
Rodovia com calçamento de pedra


Moto nas alturas
 Dia 19 de outubro, terça-feira. De SUCRE a COCHABAMBA, Bolivia. 370 km rodados hoje (134 km off road). Total da viagem: 3152 km, sendo 1373 no Peru e 1459 km na Bolívia. 482 km off road até aqui.
a) Saímos de Sucre por volta das 8 h e perdemos boa parte da manhã tentando achar a saída da cidade. As municipalidades bolivianas (e peruanas) são problemáticas em sinalização. Tivemos que parar e perguntar para uma dúzia de pessoas como encontrar a rodovia.
b) Nosso destino de hoje era Santa Cruz de la Sierra, onde pretendíamos ficar 2 dias para descanso, antes de retornar ao Brasil. Porém, fomos vítimas de um erro do Mapa do Mercosul da 4Rodas (não sei porque a Bolívia consta deste mapa), que informa que a Ruta4 está asfaltada. Já sabíamos da existência de um trecho razoável sem pavimentação antes de chegar a esta rodovia. Não contávamos que também havia outros 85 km de estradas com calçamento de pedra, ao estilo do piso de Ouro Preto. Tanto no rípio quanto na pedra, a moto, os ossos e as bochechas trepidaram vigorosamente. E as costelas do Alexandre reclamando dos sobressaltos. Chegamos à Ruta4 exaustos, passando por Aiquile e Totora, ansiosos por encontrar o asfalto que pensávamos existir naquela rodovia. Como não encontramos, resolvemos mudar nosso destino para Cochabamba, porque descobrimos de última hora que ainda havia 350 km de off road até Santa Cruz. Devo salientar que sequer 30% das rodovias bolivianas são asfaltadas e este tipo de piso é uma raridade por aqui.
c) Acabamos trocando uma cidade grande por outra. A Bolivia é um lugar muito precário. Foi curioso saber de supetão que não existe ligação asfáltica da capital (Sucre) à cidade mais rica do país (Santa Cruz de la Sierra).

Estrada para San Javier

Estrada para San Javier
Igreja Jesuíta de San Javier
Estrada com areia (leve)
Parada básica para descanso

Off road para San Javier

Dia 20 de outubro, quarta-feira. De COCHABAMBA a SAN JAVIER Bolivia. 615 km rodados hoje em 11:40 h de pilotagem (35 km off road). Total da viagem: 3767 km, sendo 1373 no Peru e 2074 km na Bolívia. 517 km off road até aqui.
a) Aproveitamos pouco a cidade de Cochabamba. Chegamos ao final da tarde, muito preocupados em falar com nossos familiares e amigos que nos acompanhavam pelo Google Maps pelo sinalizador "Spot". A maioria não entendeu nossa guinada para a esquerda, com destino oposto ao do Brasil. Jantamos comida chinesa por 16 bolivianos (R$ 4,20) e fomos dormir cedo.
b) Pegamos excelente trecho asfaltado na saída de Cochabamba, em trecho de descida íngreme, com curvas de arrepiar. Foi irrelevante não termos ido à "Carretera de La Muerte", porque todas as rodovias em montanhas bolivianas são "de la muerte", assim como todas as não pavimentadas são "de los infernos".
c) Transitamos por muito tempo pelo bom asfalto da Ruta 7 até a cidade de Montero. Dali mudamos de rumo, pela Ruta 9, com destino a San Javier, onde pretendíamos pernoitar. Novamente, voltamos a pegar bom trecho de off road. Precisamos de 1:50 h para atravessar apenas 35 km de estrada de terra e, deste tempo, mais de 1 hora foi gasta na travessia de 3 km de areia. A XT do Alex atolou nos balcões arenosos de até 50 cm de profundidade e só houve um jeito de sair: descendo das motos, tirando-a da areia no braço, sob sol escaldante de 41 graus. Apesar dos desafios do terreno e do calor, passamos por muitos córregos e rios que dão certa beleza à região. Muitas pontes de madeira ou travessias feitas sobre balsas estacionadas entre uma margem e outra.
d) Chegamos a San Javier, cidade construída pelos Jesuítas, e ficamos encantados com a arquitetura do local. Passamos uma noite agradável num hotel bastante charmoso, o Amé Tauná, ao custo de apenas R$ 25,00 o quarto individual.

Cenários da estrada

No trecho off road para a fronteira
Fila para abastecer em San Ignácio de Velasco

Últimas montanhas do caminho

Dia 21 de outubro, quinta-feira. De SAN JAVIER a SAN VICENTE DE LA FRONTERA, Bolivia. 590 km rodados hoje (278 km off road). Total da viagem: 4357 km, sendo 1373 no Peru e 2664 km na Bolívia. 795 km off road até aqui.
a) No trecho de San Javier e Santa Rosa, o aparelho "spot" (que permitia que fôssemos acompanhados pelo Google Maps), caiu da moto em algum ponto do caminho. Este equipamento não funciona bem grudado ao corpo e, por isso, tive que dar um jeito de amarrá-lo no baú traseiro, com barbante, arame e duas malhas de rede elástica. Mas tudo isso não foi suficiente para segurá-lo no piso trepidante da Bolívia. Se no local houvesse cobertura de celular, ficaria fácil achá-lo, porque bastaria telefonar para algum amigo, pegar as coordenadas do GPS e pronto. Como ficamos quase 3 dias inteiros sem celular (e os telefones fixos também não funcionavam neste trecho), tivemos que perambular por cerca de 30 km em busca do aparelho, sem sucesso.
b) Compramos gasolina numa barraca em Santa Rosa, porque não havia posto de combustível pelo caminho. Logo depois, pegamos fila para abastecer no posto de San Ignácio de Velasco.  Apesar da demora, demos sorte, porque faltou gasolina nos 3 dias anteriores à nossa passagem pela cidade.
c) Chegamos a San Vicente de la Frontera, com a intenção de seguir para o Brasil. Tive sensações de vertigem por causa do calor de 44 graus no trecho não pavimentado que antecedeu nossa chegada. Paramos em um restaurante da cidade para refrescar, comer e beber muito líquido. Ainda estava cedo, porque o trecho off road de hoje foi bastante tranquilo. Chegamos a pilotar acima dos 80 km/h por longo período.
d) BLOQUEIO NA FRONTEIRA - Chegamos a iniciar nossa ida para a fronteira, mas tivemos a notícia de que o caminho "natural" para o Brasil, por San Matias, estava bloqueado por um movimento popular, que exigia a reconstrução de uma ponte que pegou fogo há algum tempo (ponte de madeira, claro).
Não teve jeito, o bloqueio na rodovia nos obrigou a voltar e dormir em San Vicente para tentar encontrar um caminho "alternativo" no dia seguinte. Não havia telefone funcionando na cidade e não tivemos como entrar em contato com familiares e amigos no Brasil.

Pôr-do-sol

"Comida brasilera"

Saindo de San Vicente de la Frontera
Cadê a fronteira?

Tipo de ponte mais comum nas estradas bolivianas
Primeiro posto de gasolina do lado brasileiro da fronteira

Rodovia de terra no Brasil depois da fronteira boliviana

Dia 22 de outubro, sexta-feira. De SAN VICENTE DE LA FRONTERA a CUIABÁ. 586 km rodados hoje (244 km off road). Total da viagem: 4743 km, sendo 1373 no Peru e 2684 km na Bolívia. 1039  km off road até aqui.
a) SAIDA DA BOLÍVIA - Saímos da Bolívia ao "estilo contrabandista", passando por uma rota alternativa, errando caminho, adentrando fazendas, abrindo porteiras e passando por pinguelas até encontrar o posto do GEFRON (polícia de fronteira brasileira). Saímos sem registrar nossa saída no Serviço de Migração boliviano (aduana) e sem carimbar o passaporte. Vamos resolver esta situação na Embaixada da Bolivia a posteriori.
b) Ah, como é bom voltar ao Brasil, tomar um cafezinho, comer pão de queijo e cochinha de galinha. Nas paradas no estrangeiro não havia esses petiscos prontos para serem devorados. Vez por outra uma empanada, mas nem sempre. Até as nossas estradas de terra são mais suaves. Andamos tranquilos no trecho não pavimentado até às proximidades de Porto Espiridião/MT, a 100 km de Cáceres, onde registramos nosso retorno ao Brasil no posto da Polícia Federal daquela cidade.
c) Aceleramos forte no asfalto para chegar a Cuiabá antes de anoitecer. Pegamos excelente orientação dos atenciosos policiais federais em Cáceres e não tivemos qualquer problema de encontrar um bom hotel em frente à rodoviária da cidade.

Engarrafamento para atravessar a ponte sobre o Rio Araguaia, em Barra do Garças/MT

Último jantar em S. Luiz dos Montes Belos/GO

Dia 23 de outubro, sábado. De CUIABÁ/MT a S. LUIZ DOS MONTES BELOS/GO. 853km rodados hoje no asfalto. Total da viagem: 5597 km, sendo 1373 no Peru e 2684 km na Bolívia. 1039 km off road até aqui.
a) Saímos de Cuiabá sem qualquer problema para encontrar a rodovia. Fomos aconselhados a ir pela Chapada dos Guimarães por causa da enorme quantidade de caminhões no trecho por Rondonópolis. Assim o fizemos. O asfalto em excelente estado, cheirando a novo, nos permitiu acelerar forte no dia de hoje. Mesmo com alguns trechos sob chuva, conseguimos cumprir boa quilometragem.
b) Depois de Barra do Garças adentramos Goiás, já nos sentindo em casa, dada  a proximidade de Brasília.
Chegando em casa
Dia 24 de outubro, domingo. De S. LUIZ DOS MONTES BELOS/GO a BRASÍLIA/DF. 327 km rodados no asfalto. Total da viagem: 5924 km, sendo 1373 no Peru, 2684 km na Bolívia e 1867 km no Brasil. 1039 km off road acumulados em todo o percurso.
a) De Montes Belos a Brasília foi um pulo. Sequer nos preocupamos em sair muito cedo, porque na pior das hipóteses chegaríamos em Brasília na hora do almoço.
b) Adentrei as portas de casa por volta das 12:30h, com espírito leve e o corpo encharcado, depois de uma breve chuva na chegada da cidade.
c) Fechamos mais um projeto de sucesso em busca dos segredos de nossa América e sentimo-nos realizados, certos de que o desafio, as dificuldades e obstáculos valeram a pena. A cada quilômetro rodado aprendemos muito, particularmente por termos realizado uma "viagem de descobertas", tanto do território explorado, quanto de nós mesmos. Um mergulho para dentro de nossa alma.
d) Alexandre foi um parceiro excepcional! Teve paciência extrema e bom-senso em todos os dias desta aventura amalucada. Demonstrou frieza nos instantes de desafio e tranquilidade nos momentos de estresse. Superou com serenidade o cansaço, a dor e o desgate físico que esta experiência nos impôs.
e) Termino este modesto relato por aqui. Obrigado a todos que nos acompanharam nesses 16 dias de estrada. Forte abraço e até a próxima.